
Quando O Sétimo Guardião estreou, em novembro de 2018, muito se falou sobre o percetível desgaste no trabalho do novelista Aguinaldo Silva. As auto-referências em diálogos fraquíssimos faziam o público se questionar o que havia acontecido com aquele brilhante autor que, no passado, presentou o público com sucessos arrebatadores como Tieta, A Indomada e Senhora do Destino. Como o criador das icônicas Perpétua, Maria Altiva e Nazaré Tedesco tinha criado uma antagonista tão sem graça como Valentina Marsala? Essa era a pergunta que muitos se faziam, sem perceber que não era a primeira vez que o autor havia perdido a mão, embora tenha sido, sem sombra de dúvidas, a pior de todas.
Fina Estampa, no ar em reprise na Globo no seu horário original devido à pandemia de COVID-19, é a prova de que o autor há muito não era o mesmo dos tempos áureos de sua carreira.
Na novela, exibida originalmente entre 2011 e 2012, acompanhamos o antagonismo entre Griselda Pereira, o marido de aluguel Pereirão, e Tereza Cristina, uma rica e arrogante madame. Além delas, o mordomo Crodoaldo Valério, que funcionava inicialmente como uma espécie de escada da vilã, mas fez tanto sucesso que acabou ganhando até dois filmes com com seu nome – Crô (2013) e Crô em Família (2018).
Crô, aliás, é um dos grandes problemas do enredo de Fina Estampa. Afetado ao extremo e cheio de estereótipos exagerados, o personagem sempre esteve muitos tons acima, o que não sabemos ao certo a quem atribuir, se ao texto do autor, à atuação de Marcelo Serrado ou à direção pouco inspirada de Wolf Maia.
Tereza Cristina humilhava diariamente o mordomo em situações constrangedoras e ele nunca reagia, servindo apenas como uma chaveirinho da madame. No entanto, com o avanço da história e o sucesso que o personagem estava fazendo, a saída que o autor encontrou para dar a ele o destaque que merecia foi a mais equivocada possível: criou uma dupla cômica formada por Crô e Baltazar, o motorista que espancava a esposa.
Um completo desserviço transformar um agressor de mulheres em alívio cômico da novela. Para piorar, uní-lo ao único personagem assumidamente homossexual e fazer graça com a homofobia do motorista. Se já era absurdo em 2011, hoje em dia, em pleno 2020, nem se fala.
Na história principal, um casal imensamente sem carisma que sequer termina junto no final e uma vilã querendo prejudicar de todas as formas uma mocinha que nunca fez nada contra ela. Um ódio injustificável e do qual o autor não fez a mínima questão de tentar explicar.
Tinha tudo pra dar errado! Mas não deu! Muito pelo contrário: deu tão certo que foi a novela de maior audiência da década, chegando a ultrapassar até o fenômeno Avenida Brasil, sua sucessora que parou o país.
Embora incoerente com o enredo e texto fracos que apresentava, o sucesso não é nenhum mistério, pois deve-se provavelmente ao forte apelo popular que a historia tinha, já que sua exibição se dava no momento em que acontecia a grade ascensão da chamada “nova classe C”, que impulsionou novelas como a divertida Cheias de Charme” (2012).
Apesar dos grandes e evidentes erros, vale ressaltar que Fina Estampa também acertou em alguns pontos, como é o caso da personagem principal, que alternava magistralmente entre o drama e a comédia, provocando identificação imediata no público, que amava acompanhar a trajetória de ascensão da trabalhadora Griselda, uma mulher batalhadora que acordava cedo diariamente para colocar comida na mesa de sua família. É a historia de muitas mulheres brasileiras e o momento em que ela ganha na loteria trazia uma sopro de esperança no coração dos telespectadores.
A identificação do público com a personagem é tamanha que a novela vem batendo recordes de audiência outra vez. Sua leveza agrada no contraste com o pesado momento que o mundo está vivendo. Traz um frescor em tempos de pandemia e seus números são tão altos que chegam a ultrapassar a audiência que vinha sendo conquistada pela inédita Amor de Mãe, antecessora da reprise e que deve voltar ao ar em breve. Isso apenas evidencia o que já havia sido constatado na exibição original: Fina Estampa é a novela errada no momento certo.
Texto por: O Noveleiro.
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